Licitude de manutenção de duplo emprego – Em análise violação do dever de lealdade do trabalhador

Através do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 2419/18.1T8BRR-4, de 13 de julho de 2020, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que não viola o dever de lealdade para com a sua empregadora – uma empresa de transporte e tratamento de valores -, o trabalhador vigilante de transporte de valores que trabalhe também para outra empresa concorrente, exercendo funções, como vigilante, na área da vigilância estática.

O caso

Um trabalhador de uma empresa de transporte e tratamento de valores, na qual exercia as funções de vigilante de transporte de valores, viu ser-lhe aplicada uma sanção disciplinar de suspensão de 10 dias de trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, por estar a trabalhar também para outra empresa concorrente, na qual exercia as funções de vigilante num hotel, na área da vigilância estática. Foi-lhe também aplicada uma sanção de repreensão registada por ter alegadamente perdido 15 euros provenientes da recolha de valores junto de um cliente. Discordando das penas aplicadas, o trabalhador recorreu a tribunal, mas sem sucesso. Inconformado, recorreu para o TRL.

Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa

O TRL julgou procedente o recurso, revogando a sentença recorrida, anulando a sanção disciplinar aplicada de suspensão, ordenando a sua anulação do cadastro individual do trabalhador e condenando a empregadora a restituirlhe a quantia que tinha descontado do seu salário, por conta da aplicação dessa sanção.

Decidiu o TRL que não viola o dever de lealdade para com a sua empregadora, uma empresa de transporte e tratamento de valores, o trabalhador vigilante de transporte de valores que trabalhe também para outra empresa, dedicada ao transporte e tratamento de valores e à vigilância estática, exercendo para esta funções, como vigilante, na área da vigilância estática.

O conteúdo do dever de lealdade do trabalhador varia consoante a natureza das funções que o mesmo desempenha no quadro da empresa, sendo mais intenso para trabalhadores mais qualificados e com maior grau de responsabilidade.

Mas não obsta a que o trabalhador exerça cumulativamente a sua atividade profissional ao serviço de dois empregadores, nem o mesmo necessita de autorização para tal, desde que não esteja vinculado por uma cláusula de exclusividade, a vigorar durante a execução do contrato, ou mesmo posteriormente, ou não concorra com a empresa, nem divulgue informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócio, ou por qualquer forma lese interesses patrimoniais sérios da mesma.

No caso, o trabalhador não violou o dever de não concorrência para com a sua entidade patronal ao trabalhar como segurança para outra empresa, não na área de vigilante de transporte de valores, mas na área da vigilância estática, junto a uma porta, verificando as pessoas que entravam no hotel. Apesar de estarem em caso empresas concorrentes, o trabalhador, ao desempenhar funções em áreas diferentes, em nada poderia contribuir para desviar clientela da sua entidade patronal, para prejudicar a sua entidade patronal ou para pôr em perigo os seus interesses, pelo que não praticou nenhum ato ilícito que pudesse ser punido com a sanção disciplinar que lhe foi aplicada.