Novos deveres no combate ao branqueamento de capitais

Através da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, novas medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo aplicáveis a entidades financeiras e entidades não financeiras foram publicadas e incluem as medidas nacionais necessárias à aplicação das regras da União Europeia relativas às informações que acompanham as transferências de fundos, bem como alterações ao Código Penal e ao Código da Propriedade Industrial.

Uma vez em vigor, advogados, solicitadores contabilistas e auditores estarão proibidos de avisar os seus clientes sobre eventuais investigações de que sejam alvo, por exemplo, e devem enviar ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria -Geral da República (DCIAP) toda a informação de que disponham sobre o assunto.

O diploma entra em vigor a 20 de setembro e prevê a proibição de celebrar ou participar, por qualquer forma, em quaisquer negócios de que, no âmbito da atividade profissional, resulte a violação dos novos limites à utilização de numerário que a Lei Geral Tributária e o Regime Geral das Infrações Tributárias passam a prever.

Na base das novas medidas estão uma série de deveres preventivos e de controlo de negócios, trasações e operações, das quais pode resultar lavagem de dinheiro e/ou financiamento do terrorismo e que vão obrigar entidades financeiras e entidades não financeiras, como é o caso de advogados, solicitadores, notários e outros profissionais independentes da área jurídica, auditores, contabilistas certificados e consultores fiscais (em sociedade ou em prática individual), prestadores de serviços e profissionais que intervenham na alienação/ aquisição de direitos sobre praticantes desportivos profissionais, operadores económicos que exerçam a atividade leiloeira e quem tenha atividade na área dos seguros.

Conservadores e oficiais dos registos – considerados entidades auxiliares na prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, têm também de cumprir os deveres gerais e deveres especiais no exercício das respetivas funções.

Portanto, estão sujeitas às novas regras em vigor a partir de 20 de setembro:
Entidades não financeiras:
– auditores, contabilistas certificados e consultores fiscais, constituídos em sociedade ou em prática individual;
– advogados, solicitadores, notários e outros profissionais independentes da área jurídica, constituídos em sociedade ou em prática individual;
– prestadores de serviços a sociedades, a outras pessoas coletivas ou a centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica;
– outros profissionais que intervenham em operações de alienação e aquisição de direitos sobre praticantes de atividades desportivas profissionais;
– concessionários de casinos e de salas de bingo, entidades pagadoras de prémios de apostas e lotarias, entidades abrangidas pelo Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online;
– outras entidades que exerçam qualquer atividade imobiliária;
– operadores económicos que exerçam a atividade leiloeira, incluindo os prestamistas;
– operadores económicos que exerçam as atividades de importação e exportação de diamantes em bruto;
– entidades autorizadas a exercer a atividade de transporte, guarda, tratamento e distribuição de fundos e valores;
– comerciantes que transacionem bens ou prestem serviços cujo pagamento seja feito em numerário;

Entidades equiparadas a entidades obrigadas: pessoas singulares e coletivas que atuem em Portugal na qualidade de agentes de instituições de pagamento com sede noutro país da UE, e as que exerçam em território nacional como entidades gestoras de plataformas de financiamento colaborativo (modalidades de empréstimo e de capital, donativo e com recompensa), organizações sem fins lucrativos;
Entidades financeiras
– instituições de crédito, instituições de pagamento, instituições de moeda eletrónica, empresas de investimento e outras sociedades financeiras, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário autogeridas, sociedades de capital de risco, investidores em capital de risco, sociedades de empreendedorismo social, sociedades gestoras de fundos de capital de risco, sociedades de investimento em capital de risco e sociedades de investimento alternativo especializado, autogeridas, sociedades de titularização de créditos, sociedades que comercializam, junto do público, contratos relativos ao investimento em bens corpóreos, consultores para investimento em valores mobiliários, sociedades gestoras de fundos de pensões e empresas e mediadores de seguros que exerçam atividades no âmbito do ramo Vida;
– sucursais situadas em Portugal e instituições de pagamento, instituições de moeda eletrónica e outras equivalentes com sede noutro Estado-Membro da UE, quando operem em território nacional;
– entidades que prestem serviços postais e Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, na medida em que ofereçam serviços financeiros ao público.

As entidades não financeiras estão sujeitas aos deveres gerais e a deveres específicos, bem como às normas regulamentares setoriais emitidas nos termos da nova lei e da legislação reguladora da respetiva atividade. Tratando-se do dever de formação, caso a entidade não financeira seja uma pessoa singular que exerça a sua atividade profissional na qualidade de colaborador de uma pessoa coletiva, o dever recai sobre a pessoa coletiva.

Alguns deveres em destaque
Todas as entidades obrigadas estão sujeitas, na sua atuação, ao cumprimento dos deveres preventivos de controlo,
identificação e diligência, comunicação, abstenção, recusa, conservação, exame, colaboração, não divulgação e ao
dever de formação; e todas estão proibidas de praticar atos dos quais possa resultar o seu envolvimento numa
operação de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. A nova lei obriga que adotem todas as
medidas adequadas para prevenir esse envolvimento.

O primeiro destaque vai para o dever de identificação e diligência, no âmbito do qual as entidades obrigadas têm de cumprir os procedimentos de identificação e diligência – também em relação aos clientes já existentes – quando:
– Estabeleçam relações de negócio;
– Efetuem transações ocasionais:
—– de montante igual ou superior a € 15 000, independentemente de a transação ser realizada através de uma única operação ou de várias operações aparentemente relacionadas entre si; ou
—– que constituam uma transferência de fundos de montante superior a € 1 000;
– Se suspeite que as operações, independentemente do seu valor e de qualquer exceção ou limiar, possam estar relacionadas com o branqueamento de capitais ou com o financiamento do terrorismo;
– Existam dúvidas sobre a veracidade ou a adequação dos dados de identificação dos clientes previamente obtidos.

Destaca-se ainda os seguintes deveres:
– Comunicação de operações suspeitas: por sua própria iniciativa devem informar imediatamente o Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira (UIF) de todas as operações que lhes sejam propostas, tentadas, em curso ou já executadas, sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo. Devem ainda conservar cópias das comunicações efetuadas e coloca-las à disposição
das autoridades setoriais;

– Dever de colaboração: devem prestar de forma pronta a colaboração que lhes for requerida pelo DCIAP e pela UIF, demais autoridades judiciárias e policiais, autoridades setoriais e pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), nomeadamente, responder a pedidos de informação, disponibilizar documentos, dar acesso remoto às informações e documentos, enviar quaisquer informações requeridas fora do dever de comunicação, colaborar plenamente com as inspeções, abster-se condutas obstrutivas ilegítimas, facultar cópias, extratos ou traslados, cumprir ordens, instruções e recomendações;

– Dever de não divulgação: entidades obrigadas, membros dos órgãos sociais, quem exerça funções de direção, gerência ou de chefia, empregados, mandatários e outros que prestem serviço (mesmo que ocasional), não podem revelar ao cliente ou a terceiros que foram, estão a ser ou irão ser transmitidas comunicações ou informações com elas relacionadas, nem que se encontra ou possa vir a encontrar-se em curso uma investigação ou inquérito criminal, outras investigações, inquéritos ou averiguações, nem quaisquer outras informações quando delas dependa o exercício das funções das autoridades judiciárias, policiais e setoriais, salvo as que sejam feitas às autoridades setoriais, no âmbito das respetivas atribuições legais, às autoridades judiciárias e policiais, no âmbito de procedimentos criminais ou de quaisquer outras competências legais e à AT, no âmbito de procedimento de inspeção tributária e aduaneira.

Crimes e contraordenações
São punidas como ilícito criminal:
– a divulgação ilegítima, a clientes ou a terceiros, das informações, comunicações, análises ou outros elementos previstos no âmbito do dever de comunicação de operações suspeitas; e – a revelação ou o favorecimento da descoberta da identidade de quem forneceu informações, documentos ou elementos ao dos deveres de comunicação de operações, abstenção e colaboração.

As penas aplicáveis são as seguintes:
– no caso das pessoas singulares: com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, nos termos gerais.
Havendo mera negligência, a pena é reduzida a 1/3 no seu limite máximo;
– no caso das pessoas coletivas ou entidades equiparadas a pessoas coletivas: com pena de multa com um limite mínimo não inferior a 50 dias.
As restantes infrações constituem contraordenações, puníveis nos seguintes valores:
  -infração praticada no âmbito da atividade de uma instituição de crédito ou instituição financeira:
i) Com coima de € 50 000 a € 5 000 000, se o agente for uma pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva;
ii) Com coima de € 25 000 a € 5 000 000, se o agente for uma pessoa singular;

infração praticada no âmbito da atividade de outra entidade financeira:
i) Com coima de € 25 000 a € 2 500 000, se o agente for uma pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva;
ii) Com coima de € 12 500 a € 2 500 000, se o agente for uma pessoa singular;

– infração praticada no âmbito da atividade das entidades não financeiras que sejam concessionários de exploração de jogo em casinos e de salas de bingo, entidades pagadoras de prémios de apostas e lotarias e entidades abrangidas pelo Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online:
i) Com coima de € 50 000 a € 1 000 000, se o agente for uma pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva;
ii) Com coima de € 25 000 a € 1 000 000, se o agente for uma pessoa singular;

– infração praticada no âmbito da atividade de outra entidade não financeira (com exceção dos contabilistas certificados, dos advogados, dos solicitadores e dos notários):
i) Com coima de € 5 000 a € 1 000 000, se o agente for uma pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva;
ii) Com coima de € 2 500 a € 1 000 000, se o agente for uma pessoa singular.

– a violação por contabilistas certificados, advogados, solicitadores ou notários dos deveres previstos na nova lei (ou na respetiva regulamentação) constitui uma infração de natureza disciplinar.

O procedimento relativo às contraordenações prescreve no prazo de cinco anos. Havendo ocultação dos factos objeto do processo, o prazo de prescrição suspende-se até ao conhecimento desses factos por parte da entidade com competência instrutória do procedimento contraordenacional.

Aos processos de contraordenação instaurados e decididos nos termos da nova lei não é aplicável o princípio da proibição de reformatio in pejus, ou seja, caso se verifique impugnação ou recurso, a decisão poderá ser mais gravosa para o infrator.